Ou um outro cinema,
é possível.
No trecho imediatamente abaixo, negritos meus:
Ao menos, o mínimo para mim é recomeçar cada vez, tentar recomeçar do zero ou ainda mais longe do zero, para encontrar o sentimento que as pessoas tiveram, os grandes autores do cinema (Griffith, Méliès, Dreyer, Chaplin e inúmeros outros que são ignorados hoje) que inventaram, que estavam sincronizados, se você quiser, com o seu meio de expressão. Hoje, de qualquer forma, uma coisa é certa: não somos, independente de sermos bons ou maus (e falo tanto do público e da crítica quanto das pessoas que fazem os filmes), não somos absolutamente sincronizados com o que nós fazemos: para sermos sincronizados temos que recomeçar os problemas completamente do zero, e dessa forma retomar problemas muito gerais que necessariamente levam a problemas políticos.
— Jean-Luc Godard, conferência de imprensa de La chinoise, Festival de Veneza de 1967
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Entre 1967 e 1970, a entrada da crítica na era do presente absoluto:
Portanto, sem querer renunciar ao verdadeiro e esplêndido privilégio do cinema, como podemos mostrar o falso, aqui e agora, antes da revolução? Talvez fazer um cinema autenticamente a serviço da revolução signifique renunciar aos temas que estão mais próximos da revolução? Esta hipótese paradoxal parece ser parcialmente verificada pelo fato de que o cinema politicamente mais avançado hoje quase nunca é um cinema sobre a política. Por outro lado, os filmes que se ocupam dela preenchem as filmografias dos medíocres e dos mistificadores, das dezenas de Vancini, Petri, Lizzani, Pontecorvo, Puccini etc. Mas isso é apenas parcialmente uma verificação; na verdade, nesse domínio não toleramos exceções, mas somente a regra. E essa regra é violada por Oi voskoi, fantasia vomitada visceral de Nikos Papatakis; por Partner, um ato a favor do poder da imaginação revolucionária de Bernardo Bertolucci; por The Edge, comentário coral sobre a ação revolucionária e sobre a sua (im)possibilidade, de Robert Kramer; por Deus e o Diabo na terra do sol, melodrama do subdesenvolvimento de Glauber Rocha e, presumivelmente, por muitos filmes brasileiros que não vi. Esses filmes admiráveis são filmes sobre a política e caracterizam-se por um subjetivismo bastante desenfreado, por uma vontade, proclamada com demasiada excitação para ser mal compreendida, de colocar o autor (intelectual ou militante, ou ambos ao mesmo tempo) em relação direta com o ato revolucionário que se projeta. O subjetivismo certamente não nos surpreende nos filmes de Ingmar Bergman, nem o talento visionário dos autores nos perturba em alguns filmes underground porque, em ambos os casos, somos sedativamente tranquilizados pelo fato de que o cinema que emerge é inelutavelmente político. Bergman é um autor político apesar de si mesmo, e não apenas porque declarou várias vezes que a política não o inspira, mas porque ele não tem nenhuma fé nela: talvez muito interessado pela alma (em um sentido cada vez mais junguiano), ele é completamente desinteressado pela História. Por que então a dimensão fantástica, a sugestão epidérmica, a irracionalidade e a loucura nos maravilham quando são vetores de esplêndidos filmes sobre política? Talvez parte da resposta resida no fato de nós, mais ou menos conscientemente, pensarmos que a revolução, a derrocada violenta do sistema, é um puro triunfo da nossa racionalidade. Mas a história não nos dá muito conforto nessa nossa ideia. O raciocínio puro deve ser capaz de dar espaço à fúria; só uma razão outra pode se opor dialeticamente à razão burguesa da qual o sistema é, ao mesmo tempo, revestimento e resultado. A velha razão política dissidente continuará a ser sua insuspeita guardiã: visando ilusoriamente a sua derrocada, ela garante a sua racionalização oportuna e funcional.
— Enzo Ungari, “Nosferatu ‘70: una sinfonia del disordine”, Cinema & Film n° 7-8, inverno-primavera de 1969
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Se um cinema político ainda está longe não apenas de poder se constituir na prática, mas também como simples definição teórica, devemos admitir a existência de um processo evolutivo que ocorreu nos últimos anos nas estruturas da linguagem e das formas do cinema, naquelas que são as suas próprias motivações estético-culturais e a sua poética ideológica-criativa.
Nesse sentido não deverá ser difícil tentar retraçar o itinerário criativo daquele cinema “revolucionário” (ou revolucionado? ou revolucionante?) que ultimamente tem constituído todos os estímulos de renovação no interior da comunicação cinematográfica. Ou seja, determinar as origens e os desenvolvimentos, as provocações e os êxitos dessas “revoluções cinematográficas”; a aquisição da “consciência” do cinema como aquisição da “consciência da linguagem cinematográfica”, a elaboração de uma nova linguagem realizada paralelamente à verificação e sobre a desintegração da anterior, a consciência e análise das estruturas comunicativas, a importância adquirida, e verificada, das estruturas de percepção e das “experiências visivas”, o todo disso destinado a criar novas formas de expressão cinematográfica, novas tensões, uma nova forma de “comunicar” e, portanto, de compreender e fazer cinema.
(…)
Claro que, se quisermos falar de cinema que consideramos de alguma forma revolucionário, não podemos evitar o risco de sermos arbitrários em nossas escolhas. Aqui me limito a exemplificar o discurso apenas com algumas das exceções mencionadas anteriormente. Primeiramente coloco Godard, é claro, e depois o cinema underground como forma de abordar e encarar o cinema, mas sobretudo como ideia underground do cinema. Em seguida: Carmelo Bene e Marco Ferreri, dois exemplos de revolução travada em frentes opostas, a tradição e a anarquia, a desordem subvertida e a lucidez, as flores e o melodrama contra o revólver e o trinitrotolueno. Finalmente, Andy Warhol e Jean Cocteau - ou seja, a revolução perseguida com métodos, e com propósitos, inversos, através das “drogas” e através da “poesia”.
Não incluamos no nosso discurso Rossellini e Straub que, talvez sozinhos, entenderam o cinema pelo que é, traduziram-no em um modo de viver, viveram-no e continuam a vivê-lo. Eles não revolucionaram o cinema, mas o descobriram, suas relações com ele se limitam a tentativas de se aproximar cada vez mais dos limites extremos que podem ser alcançados. A revolução deles é interna ao cinema, nasce e morre com ele; explorando as possibilidades do meio cinematográfico, exploram a si mesmos e vice-versa...
Godard. Godard, claro, Godard em primeiro lugar. Godard, ou a reviravolta em nome do Mito (ou seja, do cinema clássico) das estruturas de comunicação, do fazer cinema: uma revolução permanente e generativa da linguagem e das formas cinematográficas para adequar em um continuum estilístico-criativo o meio cinematográfico a uma realidade dialética em movimento.
O cinema de Godard sempre foi para quem o amou uma lição de vida e um modelo de comportamento, uma nova maneira de abordar a realidade, uma realidade ora amada e desprezada, ora vaga e ora iminente, ora ambígua e ora esplêndida, que em todo caso sempre propõe novos problemas, anula ou põe em jogo toda estrutura formal e cognitiva adquirida.
O mundo de Godard. O sonho como clareza, a realidade como ambiguidade, a febre expressiva das passagens excruciantes, enquanto utópicas, da realidade ao sonho, da derrota à fuga, da vida à morte e vice-versa.
O estilo de Godard. A pesquisa-verificação de um equilíbrio ético-estético, estático-dinâmico entre harmonia e desarmonia, um ponto de estase entre amor e furor, entre passado e presente: o passado visto no futuro, o futuro descoberto no presente.
O cinema de Godard. Godard não pode prescindir do cinema clássico. Godard confessa esse amor como uma oração, acredita nele como uma fé: “De vez em quando ocorre que no cinema acontece alguma coisa, em um novo filme de Murnau ou em um velho filme de Bertolucci...”.
O amor de Godard. Godard encontra no cinema clássico as suas próprias “anomalias”. Godard se reflete no cinema clássico (ele o toma como referência contínua do seu cinema) porque ama os sonhos e se reconhece na utopia: além da sua ambiguidade e da sua “mobilidade expressiva”, o cinema clássico é o espelho sonhado de um mundo fruto da harmonia, que encontra na dimensão das “sombras” e na “provisoriedade” da sua presença a sua completude.
A ambiguidade de Godard, a poesia. A dinâmica emocional do cinema de Godard é dada pela acalorada dialética entre uma concepção do mundo clássico visto sempre como Mito (e, portanto, poético, indescritível) e a dor-necessidade (a dimensão existencial) de ter que renunciá-lo: o conflito perdido de antemão entre o sonho da fuga e a certeza da prática, o universo da imaginação e a prisão da necessidade. A revolução está dentro daqueles que se colocam o problema, daqueles que o vivem plenamente, daqueles que não conseguem sair dele de outra forma.
A revolução de Godard. As permanentes elaborações da linguagem cinematográfica conduzidas por Godard (o cinema reinventado sempre) chegaram, rebelião após rebelião, à desintegração quase total das estruturas de comunicação: o cinema não fala mais de si, mas escarnece a si mesmo, para além de tomar consciência (sempre foi consciente) das suas insuficiências (suas sombras, suas utopias). Hoje o cinema de Godard não vive mais apenas de ilusões, mas de autoconfirmação; a dor é substituída pela frieza da lucidez, a ferocidade da razão toma o lugar da poesia do instintivo.
Do mito da realidade (o mundo “clássico” de À bout de souffle e a perda definitiva desse mundo “clássico” em Pierrot le fou) ao mito da utopia (Made in U.S.A. como pesquisa e Week End já como verificação).
A febre estilística que sempre caracterizou as adequações linguísticas da (e sobre a) realidade, que partiu de uma operação sobre a linguagem cinematográfica, chegou justamente à desintegração dessa linguagem. E a última nota linguística do cinema de Godard é precisamente esta: o sentido das emoções e da percepção, as sugestões e os espaços da experiência.
A revolução cinematográfica de Godard é, portanto, uma revolução “humanista”, ou seja, uma revolução feita e levada adiante no interior do mito cinematográfico onde a desmistificação operacional (da linguagem, do fascínio etc.) tem todavia como objetivo último uma remistificação poética. Um processo revolucionário que, partindo do amor por algo que se tem consciência de que se deve perder, através da dor e do arrependimento dessa perda vem, todavia, prefigurar um novo horizonte expressivo através da elaboração e verificação de novos canais comunicativos, novas oportunidades de envolvimento.
O cinema de Godard, mais que através de sons e imagens, agora fala através de ondas magnéticas e impulsos emocionais, é um cinema não mais espelho da realidade mas sentido da realidade, onde a matéria está direta e completamente envolvida no processo da elaboração-representação cinematográfica, onde todo o mundo interno-externo da realidade se consuma e se autodefine com o cinema. Godard não visa a destruição do cinema, mas a constituição de um cinema “outro”, nascido talvez de uma adaptação operacional do anterior às novas realidades. Abandonando todo horizonte precedente, o cinema de Godard reconstitui um novo horizonte, único e ilimitado, subjetivo e infinitamente multiplicável, não perceptível fora de nós, mas viajando dentro de nós mesmos: para além da ilusão, da “imitação”, da “harmonia” da realidade, para além do “realismo” da própria realidade, a realidade que conta (a única realidade que vale: a nossa) deve ser descoberta dentro de nós mesmos, projetada no nosso modo de vida: um cinema-vida, portanto, um underground sem clamor, vivido cotidianamente e a cada momento recolocado em jogo, já tornado experiência nova.
Se a guerrilha cinematográfica de Godard é, portanto, um ato revolucionário conduzido dentro do cinema (e, portanto, do mundo), o exato oposto é demonstrado, pelo menos à primeira vista, por esse happening estético-cultural-existencial, extemporâneo e clamoroso que é o cinema underground.
Se para Godard o cinema é o fim (persecutório e libertador) da sua própria revolução pessoal, para o underground o cinema nada mais é que um meio para uma revolução expressiva total, uma ocasião estética para alcançar um momento criativo ou uma experiência subjetiva.
Enquanto a revolução cinematográfica de Godard pode ser definida como “humanística”, a do underground é uma revolução “herética”. No underground não há mitos a se lamentar ou a se salvar, para além e acima de qualquer teoria estética ou programaticidade cultural é a fase generativa-criativa do cinema underground a que conta (e a expansibilidade desta fase naturalmente ainda está por ser verificada).
O ponto de partida da ideia underground não é Deus mas a morte de Deus, portanto a tabula rasa da cultura tradicional, o seu horizonte está a 360 graus: não há cultura, portanto não há qualquer obrigação moral.
O underground se põe como ato de revolta individualista que visa, no entanto, multiplicar-se coletivamente em perspectiva, despedaçando-se e expandindo-se em miríades de experiências emotivas e culturais, que no entanto permanecem sempre igualmente individualistas. Há, portanto, uma multiplicação do momento criativo num esfacelamento da responsabilidade criativa do autor na autorresponsabilização dos espectadores.
O underground, nesse sentido, foi a primeira proposta de responsabilização do espectador-homem no confronto com a realidade e, portanto, na relação alterada com esta, no confronto consigo mesmo.
Se o underground visa a desmistificação do cinema como mito, da tela como altar, visa sobretudo a requalificação ou a descoberta e verificação definitiva da presença dialética do cinema na realidade e em relação aos homens feitos objetos-sujeitos daquele processo cinematográfico definitivamente liberado, e liberador, que finalmente tornou-se total.
É precisamente através do underground que o cinema demonstra a imensa potencialidade da sua capacidade expressiva e da sua capacidade mimético-linguística para transmitir-criar-evocar mensagens diretas ou indiretas, decifráveis em código ou simplesmente alusivas.
A linguagem total do cinema, a sua capacidade de aderir à realidade ou, no sentido oposto, de autogerar a sua própria realidade (que é a libertação da outra), sempre descoberta mas verificada até as suas extremas consequências precisamente pelo underground, deriva no cinema da possibilidade de viver sem se colocar limitações linguísticas e ideológicas, e o cinema underground merece o crédito de não as ter colocado.
Se o underground mata um certo tipo de cinema, mas sobretudo, e repito, uma certa forma de compreender-ver-fazer cinema, ao mesmo tempo também marca o renascimento do cinema, verificando diretamente todas as suas possibilidades dinâmicas de se colocar para além do momento cultural como um verdadeiro fato existencial (experiência emocional ou reflexão racional).
— Piero Spila, “Le cadavre exquis del cinema rivoluzionario”, Cinema & Film nº 9, verão de 1969
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No caso de Straub, o que emerge é a materialidade da escrita cinematográfica; e se é indubitável que todo filme é “matéria” (mesmo que nem sempre se possa dizer que organiza esse material), o de Straub, de forma mais radical do que outros, coloca essa matéria como objeto específico do seu próprio discurso. A matéria não é mais o suporte de outro discurso, mas é ela mesma discurso; despojada, nos filmes anteriores de Straub, de toda “pornografia” - psicologismo, ideologismo, expressividade -, agora ela se oferece apenas como grafia, em seu estado puro: isto é, abrangendo toda a agressividade, a escabrosidade, a sujeira da matéria cinematográfica dada a ver e sentir como tal pela primeira vez. O que significa fazer um filme com (sobre) a materialidade da escrita cinematográfica? Significa, por exemplo, fazer um filme sobre o qual não há nada a dizer que não seja o próprio filme no que é e no que gera. Significa, negativamente, renunciar a tudo o que poderia dar sentido ao filme por meio de uma contribuição externa: referências culturais ou ideológicas sobre as quais o filme se apoia para chantagear um espectador que já abdicou de qualquer atitude cognitiva; paralelamente, significa colocar em crise o crítico-intérprete, ávido por transformar a obra de arte em obra de consumo. Significa, positivamente, construir o alfabeto de uma escrita cinematográfica renovada que, rompendo com toda a tradição idealista (e sobretudo com o idealismo invertido, o da crítica marxista vulgar, que é tudo menos materialista), baseia-se no trabalho, na técnica que o fazer cinematográfico comporta, e com os quais nasce toda poesia; paralelamente, significa incitar o crítico (e, mais adiante, o espectador) a se interessar não pelo texto concluído, “criado”, mas pela sua produção.
— Adriano Aprà, “Straub: la materia del cinematografo” (em “Cannes - Cronaca di una guarigione”), Cinema & Film nº 11-12, verão-outono de 1970
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E passados mais de 40 anos:
A ideia de criar uma nova revista nasceu da traumática cisão da Filmcritica devido à dissidência de toda a equipe editorial na sequência da publicação de um artigo de Armando Plebe que configurava posições teóricas opostas às que laboriosamente tínhamos avançado na revista. Diante da indiferença olímpica demonstrada pelo diretor Edoardo Bruno diante da nossa ameaça de demissão como grupo, não tivemos escolha senão sair e pensar em um novo lugar para escrever.
Pasolini foi uma ajuda preciosa porque, além de nos apoiar ao permitir a publicação de seus escritos, nos proporcionou um relacionamento com a editora Garzanti como distribuidor nas livrarias. Na prática, ele comprava 800 exemplares de cada edição assim que saíam da gráfica, permitindo-nos financiar a próxima. Pequenas diferenças de custos foram compensadas com alguma publicidade. A primeira edição foi autofinanciada, mas nunca tivemos problemas com as seguintes.
A gráfica da revista e o formato alongado anômalo ficaram por conta de um jovem designer gráfico que conheci, Sergio Salaroli, que cedeu seu trabalho gratuitamente. O comitê de direção era composto por desertores da Filmcritica: Gianfranco Albano, Piero Anchisi, eu mesmo (também diretor-geral), Luigi Faccini, Luigi Martelli, Maurizio Ponzi, Claudio Rispoli e Stefano Roncoroni. O nº 5-6 já não conta com Albano e Faccini (primeiro sinal de dissidência, mas não traumático, pelo que me lembro). A partir do nº 7-8 são integrados Franco Ferrini, Gianni Menon, Piero Spila e Enzo Ungari, enquanto Anchisi, Martelli, Rispoli e Roncoroni se ausentam.
A tiragem era de 1.200 exemplares, se bem me lembro. Havia um certo número de assinantes (na verdade não muitos) e as receitas no final da distribuição não eram muitas. Em suma, a revista era essencialmente “saudável”.
Quem a leu permaneceu um mistério. Só depois que a revista parou de ser publicada é que descobri muitos assinantes ou compradores que me mostraram seu entusiasmo e o fato de a revista ter sido “educativa” para eles. Mas enquanto ela existiu vivemos em uma espécie de torre de marfim. Ficamos surpresos que ninguém se apresentou para nos oferecer colaboração. Talvez o único, do número 5-6 (verão de 1968), tenha sido o muito jovem Oreste De Fornari, que acolhemos com entusiasmo. Outros que ingressaram no “grupo” foram cooptados por mim porque os conhecia (Spila, Ungari, Ferrini, Alfredo Rossi, Menon) ou por Faccini e Albano (Paquito Del Bosco).
Como diretor não tive problemas excessivos em harmonizar esse grupo, que começava a evidenciar as suas diferentes almas. Eu diria que houve duas tendências: uma mais teórica, liderada por Faccini; uma mais cinéfila, liderada por Ponzi. Eu estava interessado em ambas e, portanto, pude mediar. Mas com o tempo, Faccini tornou-se um pouco mais impaciente e, de fato, os seus artigos e os de Albano e Del Bosco, que tinham interesses semelhantes, tornaram-se cada vez mais escassos, enquanto os de Ungari e Ferrini passaram a ocupar mais espaço.
Como as publicações cessaram? Nenhum problema de ordem financeira. Pelo que me lembro da história, diria que por um lado havia o desejo de passar à direção e, portanto, menos interesse em escrever. Isso dizia respeito a Ponzi (I visionari, 1968; o telefilme Stefano Junior, 1969), Faccini (várias coisas para a RAI de 1968 até o “experimental” Niente meno di più, 1970) e a mim mesmo (Olimpia agli amici, 1970). Por outro lado, houve a constatação de que os objetivos que nos propusemos estavam além das nossas forças. As posições teóricas a que chegamos levaram-nos a favorecer, conjuntamente, uma abordagem psicanalítica e política do cinema. Lembro-me que o último número programado, que nunca foi publicado, incluía um ensaio psicanalítico sobre Robert Kramer e um ensaio político sobre Garrel (quando se poderia esperar exatamente o contrário). Mas consideramos insuficiente a nossa preparação em ambas as frentes. Convinha estudar. Mas talvez eu recorde apenas parcialmente.
— Adriano Aprà, “Cronaca di una rivista”, em Barricate di carta - “Cinema & Film”, “Ombre rosse”, due riviste intorno al ‘68
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O cessamento brusco da Cinema & Film, como o da Présence du cinéma, longe dos arrastados processos de mumificação a que tanto os Cahiers du cinéma quanto a Positif se sujeitaram, foi o que finalmente impulsionou a revista de Adriano Aprà a prosseguir e consequentemente permanecer na vanguarda de qualquer iniciativa de abordagem contemporânea da crítica moderna.
Justamente por já pertencer, isto quer dizer por ter conseguido passar a pertencer, ao presente absoluto do cinema à altura da publicação do seu último número.
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O que significa fazer um filme com (sobre) a materialidade da escrita cinematográfica? Significa, por exemplo, fazer um filme sobre o qual não há nada a dizer que não seja o próprio filme no que é e no que gera. Significa, negativamente, renunciar a tudo o que poderia dar sentido ao filme por meio de uma contribuição externa: referências culturais ou ideológicas sobre as quais o filme se apoia para chantagear um espectador que já abdicou de qualquer atitude cognitiva; paralelamente, significa colocar em crise o crítico-intérprete, ávido por transformar a obra de arte em obra de consumo. Significa, positivamente, construir o alfabeto de uma escrita cinematográfica renovada que, rompendo com toda a tradição idealista (e sobretudo com o idealismo invertido, o da crítica marxista vulgar, que é tudo menos materialista), baseia-se no trabalho, na técnica que o fazer cinematográfico comporta, e com os quais nasce toda poesia; paralelamente, significa incitar o crítico (e, mais adiante, o espectador) a se interessar não pelo texto concluído, “criado”, mas pela sua produção.
Nesse sentido não deverá ser difícil tentar retraçar o itinerário criativo daquele cinema “revolucionário” (ou revolucionado? ou revolucionante?) que ultimamente tem constituído todos os estímulos de renovação no interior da comunicação cinematográfica. Ou seja, determinar as origens e os desenvolvimentos, as provocações e os êxitos dessas “revoluções cinematográficas”; a aquisição da “consciência” do cinema como aquisição da “consciência da linguagem cinematográfica”, a elaboração de uma nova linguagem realizada paralelamente à verificação e sobre a desintegração da anterior, a consciência e análise das estruturas comunicativas, a importância adquirida, e verificada, das estruturas de percepção e das “experiências visivas”, o todo disso destinado a criar novas formas de expressão cinematográfica, novas tensões, uma nova forma de “comunicar” e, portanto, de compreender e fazer cinema.
Em outras palavras:
não a linguagem da política, mas a política da linguagem.
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