Oliveira foi um modernista, talvez o modernista do cinema, mantendo a totalidade do que o modernismo foi em todas as formas de arte muito perto dele porque, como os modernistas na literatura, pintura e teatro, ele também mantinha o século XIX muito perto dele. Era natural para o cinema, a arte popular do século XX nascida no século XIX, começar com adaptações de romances, a arte popular do século XIX nascida no século XVIII. Oliveira cresceu com esse cinema e era ao mesmo tempo demasiadamente modernista para considerar a narração literária como algo que não fosse a exibição do abismo entre palavras e imagens, ou a ilustração de romances como algo que não fosse uma provocação no início de uma arte, ao invés de uma conquista no seu fim. Nos filmes que ele fez no final do século XX e no início do século XXI, ele nos provoca antes de tudo em função de um retorno à narração e à ilustração, ao mesmo tempo em que leva a um ponto de perfeição a exacerbação do que o romance não pode exatamente fazer – enquadramentos, cortes, linhas de eixo. Em Vale Abraão, a narração e as imagens são como duas ondas cuja adição produz tanto amplificação quanto cancelamento de fase; ou talvez dois ritmos que ressoam por todos os níveis entre síncope e unidade. Para Oliveira, a construção sempre representa tudo que ironiza incessantemente a construção. De uma forma que os eruditos certamente nos diriam que é irremediavelmente datada, Ema representa a arte e sua crispação pelo espinho apendicular sem o qual ela não existiria — o não idêntico, o restante da sublimação ambicionada —, incluindo e acima de tudo o que permite e nega sua própria tentativa de transformar a vida em uma obra de arte. Essas ideias seriam um ponto de partida para entender filmes que, ainda mais do que seus semelhantes, agora parecem representar um ramo perdido da árvore filogenética do cinema. Isso obviamente tem a ver com o lugar e a época em que Oliveira nasceu, sua carreira muito incomum e a idade extraordinária que tinha quando os fez. Mas também deve ter a ver com uma recusa em levar a sério o que ele estava buscando, como evidenciado em quase tudo que se pode ler em inglês sobre ele. Parece que ninguém queria saber sobre a revolução inacabada do modernismo, mas com um quarto do caminho deste século já percorrido, as alternativas não parecem tão boas.
Alguns dias antes, mais uma vez via Thiago:
Que Tourneur seja por excelência um dos cineastas da fascinação, ou seja, da crença e dos seus avatares, é visível a olho nu: enquadramentos, olhares, distâncias, iluminação, jogo mesurado dos atores inscritos como figuras, elipses e durações. (…) Se o livro representa o filme como corpo virtual, volume de todas as imagens, o pergaminho encarna a circulação da imagem como fragmento. É necessário imaginar seu movimento, ao mesmo tempo concreto e abstrato. O pergaminho é esse objeto que circula, que os heróis deverão repassar uns aos outros como no jogo do furão. Mas é também e sobretudo aquilo que na própria imagem se move, não consegue manter-se no lugar, o seu ponto de fuga e a sua vibração. É ao mesmo tempo o coração secreto de cada imagem e o que desliza entre as imagens: imagem da imagem, por assim dizer, naquilo que ela tem de perpetuamente esquiva. Emblema metafórico do filme, o pergaminho produz e reproduz sua metonímia frenética.
Para fechar, aquilo que Biette escreveu sobre Dreyer e Tourneur (Cahiers n° 309, março de 1980):
A maneira como Tourneur filma – com a segurança de um sonâmbulo – imprimindo à sua mise en scène uma unidade de ritmo que beira o monótono, remete todas as diferenças ao essencial: a oposição temática entre a medicina do espírito e a medicina do corpo. (...) Tourneur acredita no que pode parecer um irracionalismo de loja de 1,99, a qual se repete nos seus filmes, mas como sua mise en scène é inteiramente baseada nessa crença, sua lógica dá à sua crença uma forma objetiva, torna-a transitiva e motora, liberta-a de todo peso obscurantista. Por exemplo, na cena muito bonita em que o garoto é envenenado objetivamente pela água do poço, mas subjetivamente pela maneira como o mágico se dirige a ele durante a sua performance. Tudo isso nos lembra Dreyer: resistência dos corpos, ressurreições, milagres, a força da palavra (a leitura do testamento de Famous para os membros da Klan – uma cena em que a não diferenciação é levada ao paroxismo), ou a cena em que os meninos deitados na carroça de feno observam os galhos frondosos passando por cima, o que lembra, por contraste, a viagem no caixão em Vampyr. Em Tourneur e em Dreyer, mesma atenção à luz e à dinâmica vocal. Mas algo muito forte os separa, no qual podemos ver a influência de Hollywood. As leis que governam a economia do espetáculo não são as mesmas nos seus respectivos filmes, mas ambos são cineastas extremos: Dreyer na sua revolta (e sua consequência: intransigência – ninguém jamais aceitou menos), Tourneur na sua aceitação (e sua consequência: renúncia – ninguém jamais se revoltou menos contra suas condições de trabalho). O primeiro queria apanhar o absoluto da vida; o segundo explorou tão profundamente quanto possível a relatividade da arte.
Nos vemos em 2025.